Se você clicou aqui, você tem pelo menos alguma curiosidade sobre o que eu vou falar nessa newsletter. A chance de você achar que é sobre cinema é grande, mas eu prometo: não é. O nome “locadora” é apenas pela ideia de uma locadora. Meu avô, Sahid, teve uma em São João de Meriti, RJ. A locadora sempre foi pra mim um espaço de troca, de conversas, de descobertas. Mas evidentemente, nichado aos filmes. Portanto, o aviso: não estou te convidando para um cineclube, uma locadora e nem para um curso.
Essa newsletter eu pretendo levar por um outro caminho. Óbvio, eu vou falar de filmes - provavelmente em todas as edições, inclusive - mas eu também vou falar sobre séries, música, jogos, livros… Pera, na verdade, eu não vou falar sobre essas coisas, eu vou falar através dessas coisas. Essa newsletter é pra falar de vida, de visão de mundo, pra eu falar (e discutir com vocês) sobre nós, seres humanos, como agentes de interpretação do mundo. Sobre termos nosso próprio olhar e sobre compartilhar. Compartilhar, inclusive, é o tema dessa primeira edição.
Só pra fechar antes de ir para o texto da semana: assinando a newsletter, vocês terão os seguintes benefícios (além de me apoiar e ajudar a comprar marlboro melancia e Itaipava):
Semanalmente vamos ter uma chamada no Google Meet pra discutir os assuntos aqui abordados. Eu gosto muito de escrever e falar, mas eu quero muito que mais pessoas troquem essas ideias comigo, quero levar e expandir essa conversa para o ao vivo. A ideia de falar com a parede é um horror pra mim. Para se inscrever para a reunião da primeira semana, que será gratuita, preencha o formulário aqui.
Vamos ter um grupo de Telegram para trocar ideia diariamente, e por lá eu vou mandar links (filmes, livros, artigos, etc) que eu acredito que possam ajudar a enriquecer ou embasar melhor o que eu porcamente escreverei por aqui
Por ora é isso. Então, sem enrolar muito mais, espero que gostem.
Viver é compartilhar, amar é conversar.
Vocês sentem falta dos seus amigos? Eu sinto pra cacete. Se eu passo mais de uma semana sem ver nenhum deles, certamente vou estar meio deprimido no fim do período. Eu acho que a graça de viver coisas legais é justamente poder compartilhar. Mesmo que eu viva um momento específico sozinho, vai ser indispensável eu ter com quem sentar em qualquer barzinho pra compartilhar minhas experiências depois.
Falo isso porque é um dos temas que eu mais gosto em arte em geral: experiências compartilhadas. E não falo de grupo de WhatsApp, Telegram, ou o caralho que for. Falo de compartilhar experiências mesmo. Tipo quando fui a uma FestaJuninaBarraRave em Santa Cruz com meu melhor amigo, voltamos dirigindo e cantando às 7 da manhã, foi divertido demais. E eu adoro quando alguma obra de arte aborda essa necessidade de compartilhar. Viver é compartilhar, amar é compartilhar.
O meu filme favorito não é o meu filme favorito por acaso. Em Era Uma Vez na América, Sergio Leone conta a história de um cara que cresceu com os amigos, foi privado da companhia deles, de sua juventude e de liberdade ao ser preso por matar um policial. O grande drama do filme é que, ao sair da cadeia, Noodles não consegue mais reatar as amizades que tinha. O tempo passa e ele leva as pessoas que conhecíamos e traz elas transformadas em coisas completamente diferentes. No fim do filme, o único lugar onde o Noodles (Robert De Niro) poderia encontrar seus amigos era na memória, no passado. O último plano é ele chapado de ópio, sorrindo finalmente porque mesmo que estejamos diante dele, ele não está no mesmo plano que a gente. O sorriso é pelo que ele vive na cabeça, no sentimento, na alma. A nostalgia de ter com quem compartilhar.
A maioria das séries de TV que eu gosto trabalham isso bem demais. Sopranos, que é a minha favorita, talvez seja a melhor delas. Por ser uma série de seis temporadas com vinte e poucos episódios de uma hora, Sopranos tem muito mais tempo pra desenvolver personagens, núcleos, tramas, ideias, espaços, ritmos, e por aí vai. Você assistir a Sopranos notando a diferença na casa do Tony, principal cenário da série, é do cacete. Aquele lugar dourado, ensolarado e claro das primeiras temporadas começa a ser substituído por um espaço mais vazio, frio, escuro e filmado em planos mais fechados, sufocantes. Acontece não só pela ruína da máfia de Nova Jersey, mas principalmente pelo afastamento que Tony cria entre ele e sua família ao longo da série.
Mas nem precisamos ir a um cânone pra falar do assunto. Pensemos na divertida Only Murders in the Building por exemplo. Três solitários (Steve Martin, Martin Short e Selena Gomez) sem querer se tornam amigos e sócios ao criar um podcast para investigar uma misteriosa morte no prédio onde vivem. É uma série totalmente sobre compartilhar, sobre ter com quem celebrar as conquistas e lamentar as derrotas. Tem um momento na série onde uma personagem rabugenta morre e ninguém dá muita bola. Quando a série investiga e explica a morte dela, os protagonistas se sentem mal, porque ela morreu simplesmente por ser alguém solitário. Um simples ato de bondade, de empatia, poderia ter salvado a vida dela. O protagonista chega a dizer “poderíamos tê-la salvo com um simples gesto de afeto”. É muito bonito quando a série é bem consciente sobre o que está fazendo.
Mas eu vou até dar uma viajada e falar de videogame. Porra, meus dois jogos favoritos são sobre esse tema, gente. Disco Elysium e Red Dead Redemption 2. No primeiro, você é um detetive que acorda em um mundo distópico onde você não entende a ordem social, a geografia e nem a política. Você aprende como as coisas funcionam junto com o personagem, portanto. Mas o legal não é isso, é que é um jogo inteiramente baseado em conversas. O mundo só passa a fazer sentido pro protagonista quando ele tem relações humanas. E os autores conseguiram fazer isso bem pra cacete. Tem uma senhora, por exemplo, cujo marido desapareceu. Você cria afeição por ela e promete encontrar o marido. Só que quando você encontra, é só um cadáver do outro lado do mapa. Cara, a caminhada de volta até a casa dela é uma das experiências mais tortuosas que eu já tive com um videogame, é absurdo.
Mas RDR 2 faz isso de um jeito ainda mais foda pra mim. Em resumo: o jogo é um prelúdio do Red Dead Redemption 1. No final do primeiro jogo, o protagonista John Marston morre. No segundo, ele é um dos melhores amigos do protagonista, Arthur Morgan, já que a história se passa antes - ficou confuso? Espero que não hahaha. No final do segundo jogo - spoiler - o Arthur morre, e você então tem um epílogo inteiro pra jogar com o John Marston. Aqui, o jogo te oferece duas chaves: você pode ficar só cuidando da fazenda com o John, fazendo as coisas de casal que sonhou fazer no primeiro mas não pôde, criar os filhos, cuidar do gado, capinar grama etc. Seguindo esse caminho, o jogo é lindo, uma puta homenagem ao personagem. Só que…
Red Dead Redemption 2 não é sobre ser um fazendeiro, é sobre explorar, se aventurar e descobrir. E redescobrir. O jogo só faz sentido quando você explora o mapa e conhece pessoas, cidades, inimigos, aliados, seitas, culturas, sociedades. Não por acaso, é um jogo faroeste. E quando você está no epílogo, com Arthur morto, e sai da fazenda com John pra se aventurar, não é a mesma coisa. Aquele mundo não vale a pena porque você perdeu o seu melhor amigo. O jogo, então, é justamente sobre a vida só valer a pena quando você tem quem você ama ao seu lado. Porra, quer coisa mais foda que isso? Aí vem qualquer maluco no Twitter pedir pra fazer filme disso. Porra, amigo, pode até existir um filme bom, mas é impossível você conseguir por numa obra na qual o espectador é passivo o peso de você ativamente apertar os botões do controle com dor no coração. Cada cavalgada no mundo sem Arthur Morgan é como se você tentasse jogar futebol sem o um amigo que morreu. Coisa insana demais.
Em um mundo no qual as coisas são cada vez mais individualizadas, em que a gente escolhe um pacote de características que o capital nos vende e precisamos viver a partir delas, eu acho que a ideia de estar aberto ao novo, a conhecer e compartilhar com pessoas, é algo mais especial do que deveria ser, inclusive. A capacidade de estarmos abertos é o que nos permite conhecer coisas novas. É esse um dos motivos de eu detestar tanto algumas dessas super sagas de hoje. O herói (seja Marvel, Game of Thrones ou qualquer outra coisa) é quase sempre alguém escolhido, isolado do mundo, que vai se sacrificar para prosperar. Sendo que pra mim não faz sentido esse conceito de você fazer uma jornada solitária, a jornada só faz sentido se bem acompanhada. É melhor fracassar bem acompanhado do que ter sucesso sozinho. Ah, e pra isso, deixo a última recomendação da edição, um filme que eu inclusive falo de 2 em 2 dias, mas não canso nunca: Z: A Cidade Perdida.
Bem, o papo vai ser na sexta-feira, às 18h. Se você tem interesse em participar, se inscreva por aqui! Ansioso pra ouvir suas visões e recomendações <3
É, o tema me pegou desprevenida. Já tem uns 3 anos que venho dando tchau para amigos que precisam se mudar porque infelizmente a vida adulta tem disso. Essa semana vou me despedir de mais uma e quando vi a citação de RDR2 meu olhou encheu de lágrima porque é jogo favorito dela também. Na verdade foi o nosso amor por Westerns que nos aproximou, criamos uma espécie de cineclube interno pra assistir aos clássicos juntas e, claro, compartilhar nossas experiências com os filmes depois.
Nós vamos manter nossos encontros por chamada de vídeo, mas vai fazer falta demais ter ela do meu lado rindo de todo comentário que faço. Eu me sinto a pessoa mais engraçada do mundo com ela perto 💔
Adorei o texto e as recomendações. Não cheguei a terminar Sopranos, mas teve uma outra série que me tocou muito profundamente nisso de vivências conjuntas: a primeira temporada de True Detective. A química daqueles dois é de outro mundo, eu passaria muito tempo da minha vida só vendo os dois dirigindo por aí e conversando. Mas o que mais me pega é quando nos últimos episódios, depois de anos (estão velhos, cheios de ressentimentos) eles se reúnem novamente porque sabem que no fim era algo que só os dois poderiam resolver, por conta de tudo que compartilharam antes 🥹
Enquanto lia a ótima newsletter, me lembrei de Lost, minha série preferida, e sobre como a série se trata dessas pessoas perdidas fisicamente e espiritualmente, e que no fim conseguem se encontrar graças à coletividade e as experiências compartilhadas que elas tem na ilha.