Oeste Outra Vez (2025) reimagina o interior do Brasil como purgatório dos fracassados
Filme de Erico Rassi encontra a melancolia na existência em um mundo de fracassos
Quando Oeste Outra Vez começa, vemos, antes de tudo, a paisagem. Um interior de Goiás desértico, árido. Não há amor que floresça naquelas imagens, é um cenário onde tudo parece derreter diante da câmera. Dois carros se encontram, dois homens se enfrentam e uma mulher foge – dos sujeitos, do lugar, das lentes e da própria mise-en-scene. Estamos diante de uma forma de epítome da falência da masculinidade. Oeste Outra Vez mostra um inóspito mundo de intensificação máxima dessa masculinidade, como se o diretor Erico Rassi imaginasse um futuro no qual a presença feminina pode ser vista apenas de canto de olho, um vislumbre fugaz, e os homens fizessem desse lugar abandonado por elas um purgatório na Terra.
Os faroestes geralmente ganham vida por personagens cheios de sonhos; a conquista da terra, do ouro, da mulher amada, a reafirmação dos mitos... nada disso existe no filme de Erico Rassi. Aqui, o mito está em ruínas. É um oeste bruto, quebrado, onde não é permitido sonhar. Tudo o que os personagens buscam é vingança pelo que perderam. As ligações de Totó para sua ex parecem quase como uma tentativa de dialogar com um fantasma. Oeste Outra Vez é marcado por essas ausências e abandonos, e pela forma como os homens reagem a isso. Uma revolta quase instintiva e, portanto, muito pouco racionalizada.
Essa proposta se torna mais interessante ao se notar como a decupagem proporciona essa percepção de um inferno na terra. Isso se faz não só pelos lugares em ruínas e imundos, pelo lixo acumulado na grama, mas também pelo ritmo. Os momentos de mais ação são também os mais efêmeros. Quando um personagem cavalga enquanto foge de um carro e a silhueta do cavalo é desenhada na contraluz do farol, temos uma das mais lindas e fantasiosas imagens do filme, mas que logo cede lugar para o retorno ao ócio. Este oeste não é sobre cavalgadas e conquistas, mas sobre fracassos.
Os cortes secos sempre chegam para cortar qualquer possibilidade de sonho. Os planos longos proporcionam bom humor, mas aos poucos revelam a desesperança dos personagens, ao passo que para os personagens, o mero fato de existir passa a parecer um fardo. Os sorrisos são escassos e surgem quase sempre para acompanhar uma memória do passado, mas não para falar sobre o futuro. É o fracasso absoluto dessa masculinidade se tornando um peso nos ombros de cada indivíduo.
E os fracassos são silenciosos, são assimilados, mas não verbalizados. E por isso, Oeste é também um filme bem quieto. Todos os personagens são capazes de jogar conversa fora, falar sobre bebida e trabalho, mas nenhum consegue pôr para fora os sentimentos. A única forma de expressão é pelo ódio, pelo esforço para causar no outro, de forma física, a dor que sente no próprio emocional. Quando os dois caçadores tentam dialogar antes de dormir, tudo o que conseguem proporcionar é humor pela incomunicabilidade. Sustentar a pose de durão nem é mais o caso, mas é como se isso estivesse tão enraizado que aqueles sujeitos sequer fossem capazes de articular sobre suas angústias.
Apesar do evidente sofrimento no semblante de cada um daqueles personagens, é interessante também como há resignação. Há uma certa aceitação de que seu mundo é daquele jeito. Nesse aspecto, é curioso pensar que todos se veem como culpados e a violência seja a forma de expressão do próprio arrependimento. Cada um por si e todos contra todos. Oeste Outra Vez não se torna um faroeste pelos movimentos de câmera inspiradora em Leone ou pela dualidade moral aprendida por Ford, se torna um faroeste por ninguém ter mais nada a perder e todos estarem prontos para atirar no primeiro corpo que ousou ser feliz.
A regra aqui é a tristeza, é a depressão. No purgatório, quem ousa sonhar com a felicidade será punido. Por isso, ao fim, o Durval de Babu Santana não é mais um alvo de Totó. Ele passa a ser, também, mais uma das almas solitárias e esquecidas desse oeste cuja masculinidade destrutiva tornou a felicidade uma possiblidade distante e quase imemorial.
Excelente texto!