Todo dia eu acho que o mundo tá acabando. Todo mundo já tá cansado de falar sobre mudanças climáticas e o capitalismo tardio, mas pouco ouço (na minha bolha) se discutir como o mundo realmente tá indo pro caralho, de forma direta mesmo. “Nossa as coisas estão indo mal, né?” não é o mesmo que dizer “eu acho que meus filhos não vão terminar a faculdade”. Eu sempre quis ser pai e hoje em dia eu nem cogito essa possibilidade porque não tenho segurança nenhuma de que minha filha vai ter um mundo pra viver daqui a 50 anos. Esse assunto, obviamente, não é novidade, mas eu nunca senti tanto isso como venho sentindo desde a pandemia.
Eu tenho pensado mais em como os filmes mais recentes abordam isso. O Fé Corrompida (ou First Reformed) do Paul Schrader aborda isso de um jeito que eu gosto. Não me aprofundei na carreira de Schrader como cineasta e nem sou o maior fã desse filme estrelado pelo Ethan Hawke, mas ainda gosto da ideia de refazer o Luz de Inverno do Bergman trocando o desespero pela inexistência de Deus do padre de Gunnar Björnstrand pela angústia que o capelão de Hawke sente ao perceber que o mundo realmente está caminhando para o fim. “Alguém precisa fazer alguma coisa”, diz o protagonista em um momento. Evidentemente, nada é feito.
É curioso como esse tema do fim do mundo me destacou mais em filmes que não gostei do que em filmes que gostei — talvez porque os filmes que têm chegado até mim são os que fazem críticas “comportadas”, mas isso eu abordo mais à frente. Outro do qual não sou muito fã é o Não Olhe Para Cima, do Adam McKay. Acho que o filme ter saído na pandemia embaçou um pouco as discussões. Fez todo mundo fazer analogias um tanto abobadas entre a presidente do filme e o Bolsonaro, por exemplo. Pra mim, na verdade a ideia do McKay era fazer algo muito mais amplo, mesmo que referenciando Trump e Elon Musk de alguma maneira.
A graça do filme é o McKay conseguir fazer uma tragédia satírica sobre o inevitável colapso ambiental de forma deliberadamente jocosa, porque nada pode ser feito. Os personagens que têm poder pra tomar a decisão sequer cogitam fazer algo que não seja buscar lucro. E assim, na minha visão, parece inevitável mesmo esse colapso total. Nos últimos três anos, tenho visto no Rio de Janeiro verões cada ano mais escaldantes e invernos cada ano mais rigorosos. Eu nunca havia passado mal de calor no Rio de Janeiro até o verão de 2023. Eu nunca havia dormido de casaco e calça no RJ até o inverno de 2024. Isso sem falar nas chuvas, no que acontece no Rio Grande do Sul, as secas no Norte, as inundações e tempestades severas no norte global e por aí vai.
Mas voltando ao Não Olhe Para Cima, o que tem me feito pensar nele é que, no filme, mesmo diante do fim, os bilionários descobrem no apocalipse a chance de… Lucrar! E o filme vira uma grande piada sobre essa ganância incontornável de quem manda no mundo. Naquela pegada “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”. E é um pouco do que estamos vendo. É meio ridículo ver o meio ambiente indo para o caralho e o Elon Musk investindo bilhões na missão Marte, sendo que especialistas já deixaram claro que tudo não passa de uma grande jogada de marketing, é um projeto inviável.
Talvez o que falte pra eu gostar de Não Olhe Para Cima é o filme tentar dar um passo além na sátira e discutir o processo que possibilita essa mentalidade dos “vilões”. De onde eles vêm? Por quê agem assim? Ao que parece, falta pra mim uma crítica que supere a superestrutura e atinja a infraestrutura do sistema.
Mas falando de um filme realmente bom sobre o assunto — e que pra mim chega à infraestrutura —, tem o Lições da Escuridão. Nele, o Werner Herzog filma os resultados da Guerra do Golfo em Iraque, Kuwait e Arábia Saudita. E o resultado é destruição total. O foda ali é que o cenário não é usado pra falar sobre o conflito em si, o Herzog só aproveita a paisagem pra filmar o fim do mundo. Sua visão é tão distanciada que parece alguém que viajou no tempo pra estudar o que aconteceu com a humanidade e alertar sobre o fim.
É um filme que em 1992 estava alertando para o efeito de muitas coisas, como privatizações em massa e desmobilização da classe trabalhadora. O mundo de Lições da Escuridão é um mundo em que tudo foi dobrado às vontades do capital e nem mesmo a humanidade resistiu, mas as máquinas continuam operando e gerando lucro para os fantasmas da civilização.
E o que é ainda mais foda é que investigando aqueles espaços desolados, o Herzog ainda encontra gente trabalhando no fim do mundo. Novamente, mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo… Os únicos seres humanos que sobraram são os que ainda precisam trabalhar.
Ainda me agrada muito no filme do Herzog como ele foi o mais frontal possível na abordagem, mesmo que em um filme sem rostos para dramatizar. Em vez de apontar o problema, fazer uma sátira, levantar questionamentos, ele se põe no futuro e mostra o destino para onde a civilização caminha. É esse tipo de cinema, mais direto e cru, que me interessa quando se fala de um tema do tipo.
E o que eu tiro desses filmes (principalmente o do Herzog) é que o que sobrou do mundo é isso mesmo. É que estamos em um processo irreversível de autodestruição, que tudo está indo na direção de quem tem poder acumular mais capital até o fim dos tempos. Como se tivessem uma saída de emergência pra algum outro lugar quando tudo for para o caralho. É um negócio angustiante, cada notícia de enchente, tempestade, seca ou qualquer coisa resultante de mudanças climáticas me corrói por dentro.
E a infraestrutura continua intacta. As discussões são levadas para o lado moral, discutimos roupagem e outras frivolidades, mas não a base que permite o inferno continuar se avizinhando. E enquanto isso, o trabalhador segue cada dia mais explorado, exaurido, e o futuro aponta a extinção da ilusão de classe média. Só resta saber se esse véu ilusório de ascensão pelo poder de compra vai ser revelado antes ou depois do colapso de tudo.
Só quem viveu sabe dos presságios sobre o fim do mundo de 2012. Acho que desde lá, periodo que eu ainda era uma criança desinformada sobre a magnitude desse alerta, esse tema sempre me trazia desconforto. Talvez o filme que mais tenha me "traumatizado", mesmo eu não compreendo como, tenha sido o THIS IS THE END. Pelo teu texto, agora eu enxergo como. Lá, o cenário apocaliptico é de causas divinas, o julgamento final que deixa pra traz os mais babacas de Hollywood e os força a serem um pingo de gente digna diante o desespero da morte. Mas o ponto que me pega nele todo é: o fim do mundo, então, não passa de um cenário hipotético para piadas de mal gosto serem contadas por quem dele vê o lucro? DON`T LOOK UP reviveu esses mesmos sentimentos na época e, junto a todo cenário caótico advindo da internet e da irresponsabilidade comunicativa e ativa do governo no contexto da pandemia, me jogou pra dentro desses filme de uma maneira horrivel. Talvez seja a temática que eu mais abomino ver sendo retrata, mas tu me instigou a conferir esse documentário. Enfim, não pretendo me extender. Agradeço por mais um texto seu e saiba que ultimamente tu tem sido uma das minhas refêrencias pra escrita aqui no substack. Ler teus textos sempre me deixa doido pra fazer os meus. Grande abraço e uma ótima semana, Matheus!!
Porra Fiore, o cara me manda um soco desse logo numa sexta-feira kkkkk. Brincadeiras a parte, o fim do mundo e algo que eu penso de vez em quando, mas eu nunca lembro exatamente de alguma obra que fale sobre isso exatamente, principalmente dessa perspectiva negativa. Mais próximo do assunto do texto, são obras que abordam a natureza X humano, que de certa forma está dentro dessa lógica do fim do mundo, pensar no Princesa Momonoke que aborda justamente essa luta, e de como a natureza pode ser algo brutal é interessante, o próprio Miyazaki e um desses cara que tem esse mesmo péssimo sobre a humanidade e o futuro dela, tem outros exemplos como o In Violent Nature filme de terror desse ano que aborda algo do tipo também, da pra pensar no Fim dos Tempos do Shaymalan também, enfim são algumas outras obras que falam sobre esse confronto. Agora pensando de fato no que pode vim e um futuro próximo, sinceramente e algo que me desanima, mas eu sempre tento ver tudo com entusiasmo e esperança de que talvez um dia esse panorama melhore.