Jurassic World: Recomeço e a possibilidade de debate sobre blockbusters
Novo filme da megafranquia não vai mudar a vida de ninguém, mas poderia ao menos ser melhor discutido
Gareth Edwards lançou em 2014 o primeiro Godzilla americano desde 1998, quando Roland Emmerich trouxe o monstro como uma ameaça estranha que invade Manhattan. No de Edwards, entretanto, o monstro japonês surge menos como monstro e mais como metáfora. É um Godzilla que para quem olha representa depressão e impotência diante das forças maiores do mundo. O monstro é filmado como uma tempestade ou um terremoto.
O medo da natureza foi algo muito presente no cinema americano da década passada, e diante das tragédias causadas pelas mudanças climáticas, cada vez mais acentuadas e perigosas, o Jurassic World: Recomeço de Edwards segue uma toada parecida, continuando o estudo do cineasta sobre nossa relação com o meio ambiente.
No filme, uma equipe de elite é formada para ir até uma ilha abandonada, dominada por dinossauros de um antigo parque, para extrair os genes de três espécies específicas a fim de desenvolver um medicamento que transformaria a indústria farmacêutica. No caminho, uma família que velejava pelo oceano se junta ao time, e todos acabam presos no lugar. Ao chegar, entretanto, o encontro com os dinossauros raramente é tratado como uma possibilidade de ação. O Jurassic World de Edwards, na verdade, filma Zora (Scarlett Johansson) e cia muito mais como aventureiros e desbravadores, figuras que buscam entender ou respeitar um lugar que não os pertence – com exceção, claro, do vilão, que está junto à equipe para garantir que a missão será concluída.
Para decorar estes encontros entre humanos e dinossauros, Edwards passeia por dois gêneros: aventura e terror. O primeiro, praticamente esquecido por Hollywood na última década, se faz presente nos momentos de descoberta, de admiração pelas figuras jurássicas que cruzam o caminho dos humanos. Esses encontros, claro, podem também proporcionar situações menos, digamos, agradáveis, já que trata-se de um conjunto de animais perigosos, em seu habitat natural, muitas vezes em busca de alimento, caçando meramente por instinto.
Os dinossauros de Edwards raramente são figuras amedrontadoras. O próprio T-Rex que se anuncia como o maior perigo potencial até aquele momento do filme, antes de identificar e perseguir os humanos, ronca, acorda, bebe água no riacho e apenas segue sua vida normalmente. O momento em que passa a perseguir os humanos que cruzam seu caminho marca muito mais um processo natural, que ressalta a pequenez e a insignificância humana naquele espaço, do que algo essencialmente cruel.
Em O Homem Urso, Herzog conta a história de um homem que jamais entendeu os limites entre sua vida e a natureza. “Eu vejo apenas a devastadora indiferença da natureza”, disse o cineasta no filme de 2007. Em The Fire Within, por outro lado, Herzog conta a história do casal que é, sim, muito ciente dos limites, e escolhe explorar pelo mero prazer de se aventurar. Claro que o Jurassic World de Edwards não poderia de forma alguma ser comparado aos filmes do alemão – tem intenções diferentes e muitas limitações de produção –, mas é interessante pegar a frase de Herzog para lançarmos um olhar sobre a relação entre aqueles dinossauros e os humanos.
Em diversos momentos da franquia, os dinossauros mais pareciam atrações em um circo ou um parque temático, e isso não está totalmente ausente de Recomeço. Mas Edwards parece muito mais interessado, na verdade, em mostrar como aqueles indivíduos não pertencem ao espaço onde estão. Quando chegam ao ponto final da missão, onde aguardam por um helicóptero que poderá resgatá-los, Zora e o time completo chegam a um espaço de maior interferência humana, e portanto, de maior violência. O espaço sujo, poluído e lotado de animais brigando por comida reflete essa interferência na natureza, em um lugar devastado pela civilização.
Se Jurassic World: Recomeço começa falando sobre a interferência da humanidade no meio ambiente e utiliza os dinossauros como alegoria para a destruição da natureza, colocar os personagens em um lugar onde eles estão totalmente à mercê de forças maiores e que essas mudanças causadas pela civilização se acentuam é um caminho, no mínimo, interessante. Já no prólogo do filme, uma grande criatura nos é apresentada. Um dinossauro geneticamente modificado que muito se assemelha a um alienígena. Sua cabeça, inclusive, não por acaso, lembra a do Xenomorfo de Alien: O Oitavo Passageiro. Mas, mais do que isso, é uma figura também pouco filmada diretamente, que permanece nas sombras ou oculta pela neblina. É, de longe, a figura mais aterrorizante do filme, e a única que, quando chega, altera totalmente o cenário ao seu redor. Os demais dinossauros, por mais que possam ser ameaçadores, o são por sua natureza e por questões evolutivas, e vivem em perfeita harmonia com o espaço. Aquele, não. É um monstro de Frankenstein criado pela própria humanidade para lucrar e nada mais – algo semelhante ao que toda franquia se torna no cinema.
Jurassic World: Recomeço é um filme cheio de defeitos, mas a falta de ideias de Gareth Edwards não é uma delas. É um filme que explora a aventura e o terror de maneira desbalanceada, não conseguindo quase nunca extrair o que há de melhor nas próprias cenas que apresenta. Talvez o único momento em que o potencial de aventura funcione seja justamente o que mais equilibra a exploração com o terror: o ataque do T-Rex. Em todos os demais, fica a sensação de que algo a mais poderia ser aproveitado. É como se víssemos um diretor com boas ideias – não um grande diretor, vale ressaltar – sucumbindo diante das imposições e necessidades de uma produção deste tamanho.
Talvez o que melhor possamos tirar de discussão do novo Jurassic World é o questionamento: é possível desenvolver qualquer debate a partir de um filme hollywoodiano deste tamanho? Numa era em que os produtores são acionistas e os filmes existem para imprimir mais dinheiro e nada mais? Por que filmes do tamanho de Jurassic World: Recomeço têm tanto medo de matar personagens importantes e permitir ao público sentir a dor do luto? Devemos nos contentar com filmes que vez ou outra inserem algum debate importante de forma cínica (como o próprio Recomeço faz quando fala sobre distribuição de medicamentos sem considerar lucro), ou devemos enaltecer suas qualidades, apontar suas contradições e criticar seus processos e defeitos? Talvez seja um caminho para que, ao menos, se discuta melhor o cinema blockbuster, e não apenas resumir ou “veja” ou “corra”.